terça-feira, 23 de fevereiro de 2010

Entrevista Revista UP! - sem cortes!

Chuvas e verões depois, férias e festas depois, carnavais e editais depois, voltamos!

Saudade de postar!



Retomo as postagens apresentando a entrevista - sem cortes e sem censura - que respondi ao jornalista-ativista-blogueiro e futuro pop-rock star Tiago Lobão para a Revista UP!. Na revista, claro, a entrevista teve que ser editada, diminuída, retocada. Mas aqui não! Ela pode ir na bruta, inteira. E aí vai!

Antes, ficam dois convites: o primeiro é o de conhecer a Revista UP! em papel - é uma revista jovem em dois sentidos - idade e público alvo - e já tem uma pegada interessante em linguagem, textos e reportagens bem diferentes.

O outro convite é para conhecer os blogs mantidos pelo Tiago que me entrevistou para UP! Bem bacanas!
( http://www.lobservando.blogspot.com/ e http://www.culturanja.blogspot.com/ ).

Quem se interessar, vale ler também a reportagem que está na mesma edição da UP! sobre as aventuras da Banda Nevilton - onde o Tiago toca e se diverte - nas estradas, garagens e festivais Brasil adentro.

Sobre o Tiago, só para registrar a sensibilidade do sujeito, vale dizer que ele aproveitou uma passada em São Paulo para ir a um dos eventos mais singelos que fiz relacionados ao livro:

na rua Treze de Maio, perto da Achiropita, há um café de uma simplicidade franciscana, Caffé Sabelucha. Ali, Bruno, o dono, mantem uma prateleira com alguns livros sobre o Bixiga e nas minhas caminhadas pelo bairro, tomei diversos cafés no Sabelucha e aproveitava para folhear os livros e curtir os tipos que frequentavam o Caffé. Ao lançar o Bola da Vez fiz questão de "entronizar" o livro na prateleira do Seu Bruno Segismundo - uma micro-biblioteca bixiguense. Chovia, estivemos Isabel e eu, apareceram Eric e Melina - queridos -, de repente, surge o Tiago, direto de Umuarama, para trocarmos um grande abraço real após tantos virtuais. Inesquecível. A foto do evento, lá em cima é do Eric.

Vamos à entrevista:

Tiago Lobão / Revista UP! - Primeiro, gostaria de saber um pouco sobre seu currículo: formação, profissão, escreve desde... se ganhou algum prêmio literário, se já possui algum outro livro publicado e essas coisas. Isso é pra gente falar sobre sua história e situar o leitor a seu respeito.

Fábio Brazil - O livro que estou lançando agora em novembro, o Bola da Vez, é uma estréia em prosa numa história toda ela voltada para a poesia. A paixão pela escrita veio cedo, ali pelos doze anos com uns primeiros poemas bem inocentes, mas bem significativos em termos de mostrar a importância que aquilo tinha para mim e o quanto me mobilizavam para tentar entender como os poemas funcionavam. Era preciso estudá-los. A fonte primeira desse estudo não foram os livros de poesia, mas as letras das canções. Chico Buarque, Caetano Veloso, Gilberto Gil, Aldir Blanc, Cartola, Lupicínio, Alceu Valença, Paulinho da Viola eram os meus interesses iniciais - músico eu sabia que não seria; letrista, vi rapidamente que não tinha mão. Mas a qualidade e a penetração das canções da MPB foram decisivas mos meus interesses.

Ainda acompanho a MPB, e lastimo a perda de qualidade das letras, ainda temos bons letristas, mas não no nível e na quantidade que tínhamos. De toda forma, eu sabia que a minha praia era outra.

O caminho foi procurar em outro lugar a minha turma, foi aí que a poesia dos livros, no suporte da página chegou. Drummond, Bandeira, João Cabral, Murilo Mendes foram os meus Beatles, meu Led Zeppeling, meu Rolling Stones... estamos no final dos setenta.
No Segundo Grau já com aulas específicas e excelentes de Literatura e Redação no Colégio Equipe - eu já sabia que queria ser poeta.

Mas que diabo de profissão é essa? Aliás, é profissão? Como se vive sendo isso? - Claro que até agora ainda não respondi essas perguntas, mas também não consegui fazer nada muito diferente disso. Formei-me em Língua e Literatura na PUC-SP, fui professor de literatura por uns dez anos e nunca deixei de escrever - meio sem saber o que fazer com aquilo. O caminho do "juntar uma grana, publicar e vender para os amigos e parentes" nunca me atraiu, sempre achei que seria um passo em falso que poderia desmoronar o equilíbrio instável das contas a pagar, da saúde mental, do desejo de escrever e da carreira a seguir. Assim, a gaveta dos poemas tornou-se uma pasta na HD. Fui professor enquanto tive prazer em ensinar Literatura e conviver diariamente com adolescentes. Mas a minha adolescência começou a ficar bem distante e a pasta na HD cada vez maior.

Os Concursos Literários também são um caminho tortuoso. Entrei em alguns, ganhei um cujo prêmio era uma antologia coletiva e desisti deles também. Vários motivos concorreram para me mostrar que não seria por ali minha história. A maioria dos concursos tem sua seriedade e sua qualidade de escolha bastante questionáveis e eu nunca conheci um autor que tenha se feito por meio de concursos; além do mais, competição, pódiuns, medalhas, no meu entender, têm muito pouco a ver com arte. Fechou-se outra porta. Era final dos 90 e início dos meus 30.

E foi assim que a arte realmente aconteceu para mim. Larguei as aulas e fui trabalhar como produtor num grande evento de dança no SESC. Ali me apaixonei duplamente. Pela Dança e pela minha esposa. Ao findar do evento, eu já estava casado, abrindo um espaço de arte para trabalhar especificamente com poesia, criando dramaturgia para espetáculos de dança, estudando a interface ente poesia e dança e é disso que vivo até hoje. O Caleidos Cia de Dança dirigido por Isabel Marques e por mim cresceu, estabilizou-se por meio de editais e Leis de Fomento, tornou-se um Instituto que presta assessorias nas áreas de Dança e Linguagem Verbal. Mas e os livros e a HD?

Bem, os editais públicos de Dança me mostraram que também havia os de literatura. Editais são mais interessantes que concursos, são mais amplos, propõem um desenvolvimento artístico mais interessante, as comissões são menos comprometidas e a premiação - mesmo que não seja perfeita e tenha suas idiossincrasias - apresenta sempre uma amostragem mais completa, um retrato mais amplo de um determinado momento e permite que se apresente projetos e não apenas uma obra acabada. Interessei-me.

Concorri com um projeto de romance - o Bola da Vez - no ProAC da Secretaria de Estado da Cultura de São Paulo e fui contemplado em 2008. Publico minha estréia agora em novembro. Mas e os poemas da HD? Continuam aqui comigo. Hoje bem mais espalhados por meio dos espetáculos de dança, dos eventos de declamação produzidos no espaço do Caleidos e de alguns lugares na internet. Vão sair em livro quando chegar a sua hora.

Tiago Lobão / Revista UP! - A sua relação com a internet é antiga? Como e quando você percebeu o poder de promover seu próprio trabalho, se aproximar e fidelizar o público através da rede? Que ferramentas você tem usado pra isso? E qual é a sua opinião sobre essa nova relação, muito mais próxima entre escritores e o público que a internet possibilita?

Fábio Brazil - É difícil falar sobre a internet sem recorrer ao lugar-comum. Vou a ele: a internet é um milagre, uma ferramenta fabulosa, um salto irreversível para humanidade etc. Mas atrás desse lugar-comum se esconde uma vala-comum. Tão perigosa quanto a proibição da fala é a vulgarização dela. Tão perniciosa quanto a censura das ditaduras é o descrédito e a desvalorização da produção do discurso estético por meio da arte. Há duas formas de se desconstruir a arte e o conhecimento, uma é a proibição pura e simples de qualquer emissão - as ditaduras - a outra é massificar, pulverizar e igualizar as emissões. A internet, às vezes tem esse perigoso papel. Sei que essa minha posição não é muito fácil, nem muito simpática, e de toda forma sempre estarei ao lado da ampliação das emissões. Mas não ver ou não falar desse risco seria ingênuo.

De novo na contramão. Tenho acesso à internet desde o final dos anos 90 e ainda não abri um site ou um blog para os meus poemas. Tenho claro que iriam pouco além da pasta no HD e da leitura de alguns amigos. Ora, se é só para os amigos, sempre foi mais interessante reuni-los junto a umas taças de vinho e fazermos um evento chamado “Aparelho de Poesia” no qual todos declamamos diversos poemas de diversos autores inclusive os meus. Nos divertimos bastante com o melhor da poesia ocidental e eu sempre empurro um ou outro "vinho da casa" nos cadernos produzidos para os Aparelhos. O autor precisa usar a internet comedidamente.

Site de poesia, para mim, é gueto e turminha - de novo assumo posição difícil e pouco simpática, eu sei - mas se eu tenho algum sonho de fato em relação à poesia é que ela saia dos guetos e das turminhas. Daí os Aparelhos e não sarais os pluriabertos, daí a relação com a dança, daí o trabalho com as assessorias na Educação. Daí também optar por publicar/postar poemas preferencialmente em sites não-poéticos.

Publiquei no site a Agência Carta Maior enquanto eles mantiveram o Varal de Poesia aberto, interessava-me ali estar no universo dos outros assuntos do site - geralmente notícias e política - gostava muito da idéia de ter um poema incomodando ali. Tinha um acordo secreto com o ex-editor de Cultura da Agência Carta Maior: mandar poemas que de alguma forma tivessem ligação com os assuntos quentes do momento ( eleições, sem-terra, corrupção etc ). Ter um poema ali, fazendo parte da vida daqueles leitores, fazendo-os tropeçar no poema me parecia e ainda me parece bem mais interessante do que postar num site próprio ou apropriado onde quem entra não vai tropeçar em nada, já entram flutuando.

O gueto não interessa à poesia e se é só para mostrar aos amigos, reúna-os em casa, vai ser bem mais divertido - e não ofereça somente os seus poemas, faça logo um banquete com Drummond, Maiakoviski, Ferlinghetti, Bandeira, Benedetti, Martha Medeiros, Manuel de Barros, apresente poetas bons e novos aos amigos, traduza geniais desconhecidos e salpique dois ou três dos seus poemas para ver como ficam ao lado dos grandes - vai ser mais divertido, mais fiel ao espírito de partilha que permeia a poesia e vai te dar uma noção muito mais exata do interesse que podem causar seus poemas - detalhe importante: nunca convide só poetas e gente ligada à literatura, traga biólogos, psicólogos, jornalistas, donas de casa, advogados, bailarinos e quem mais você quiser, é para os especiais que escrevemos, não só para os especialistas.

No projeto do Bola da Vez que entreguei à Secretaria de Estado da Cultura e fui contemplado, já previa uma série de ações via internet. A principal era abrir o blog - Livro Bola da Vez - por onde articularia três ações fundamentais. A primeira era abrir o processo de criação, abrir a oficina, mostrar para onde estava indo com a pesquisa e a criação, uma espécie de diário de bordo do romance. A segunda, como o romance é constituído por um mosaico de contos independentes, era submeter os contos á leitura de qualquer interessado. E a terceira e mais ambiciosa é o convite à criação de contos - dentro da estrutura proposta pelo Bola da Vez - pelos leitores após o lançamento.

O link do blog Livro Bola da Vez viaja junto ao Boletim do Instituto - www.caleidos.com.br - hoje com 20 mil endereços de todo o Brasil. O diário de bordo aberto causou algum interesse inicial - dos amigos, claro. Mas a degustação de contos saiu do controle. Qualquer um podia me pedir e receber um conto - o único compromisso era me dar algum retorno. Nunca os contos estiveram postados no blog - me incomodam os cadáveres insepultos da internet - tinha que entrar em contato comigo e pedir um conto para ler.

Recebi pedidos de gente que nunca vi e que estão na mala-direta do Instituto Caleidos talvez por terem assistido a um espetáculo da Cia de Dança em Boa Vista no ano de 95. Foi uma delícia inesquecível. Os retornos de cada conto me ajudaram a calibrar a escrita e ter uma noção mais exata de seus efeitos e defeitos. Se o retorno era bom e o leitor pedia mais um recebia na hora, só me impus duas regras: nunca deixar alguém ler todos os contos - até porque faltavam 7 ou 8 para terminar - e jamais defender o conto das críticas. Lia, avaliava, relia o conto e mudava aquilo que era pertinente. Sai desse processo escrevendo melhor, disso não tenho dúvida, mas o mais enriquecedor e interessante foram as conversas que se seguiram à degustação explorando outros pontos despertados pelos textos.

A estrutura do Bola da Vez, como já disse, é um mosaico de contos formando um romance policial. O romance propriamente não existe. É o leitor que unindo os contos vai fazendo as emendas e as costuras necessárias para obter o romance. Cada conto é independente, naquele conto há tudo que se precisa para entender aquele conto sem a leitura dos demais. Todos têm exatamente o mesmo tamanho, 5 páginas, nem uma linha a mais ou a menos e cada um deles gira em torno de uma personagem. Unindo os contos, chega-se ao romance.

Após o lançamento, minha vontade é manter o blog vivo, aliás muito mais vivo. Claro que vou querer e postar os retornos - como já fiz em relação aos contos. Mas isso ainda é pouco e já é até comum. A estrutura em mosaico que criei mostra retratos distantes de cada personagem. Vemos, por exemplo, a infância do delegado, depois universitário, casado e já em ação - ora, ele teve uma adolescência, não teve? Eu não escrevi, não o retratei ali, mas há muitos indícios do que pode ter acontecido, por que não um leitor escrever esse conto?

Se alimento algum sonho em relação à minha arte, é que ela seja de todos, a internet me permite isso, por que não? Por que não oferecer ao leitor uma estrutura que permita não somente a fruição-passiva (leitura simples), mas também a criação autônoma do fruidor na estrutura que criei? Essa é a minha ambição. A internet será minha ferramenta. O livro em papel - por enquanto, depois vai tornar-se um site (transmissão limpa de dado ) - será o passaporte/convite à criação. Quero interagir com o leitor-autor e libertar as personagens de mim, a obra do autor e o leitor em relação às personagens, dentro de uma estrutura estética, claro.

Tiago Lobão / Revista UP! - Você costuma participar de concursos literários? Eles ainda são peças importantes na construção de uma vida como escritor?

Fábio Brazil - De alguma forma acho que já respondi isso.
Não gosto de concurso porque não gosto de competição, não sou um atleta da arte. Prefiro os editais das Secretarias de Cultura - deveria haver mais para contemplar mais projetos.
Os editais são mais amplos, podem errar aqui e ali, mas de modo geral, tendo a regularidade como a de um ProAC da SEC-SP e a variação das comissões acabam fazendo um bem enorme à produção da Cultura. É preciso ampliar o número de editais públicos e a verba para poder contemplar mais projetos.

Concursos de obras prontas e inéditas - além da competição e do medalhismo - afunilam demais. Fazer projetos, tê-los discutidos por uma comissão que varia a cada edição do edital, ser ou não contemplado, ensinam o artista a organizar suas idéias, construir um projeto maior que a obra - pensar em desdobramentos e contrapartidas - essa é a vantagem dos editais públicos. Concursos são importantes e há muitos que são sérios e comprometidos com a arte, mas não têm a amplitude dos editais. De toda forma, em minha opinião, os concursos de obras editadas são mais interessantes porque podem dar um fôlego para livros importantes que estão passando despercebidos. Os de inéditos poderiam virar editais para primeiras obras, receber e julgar projetos para apresentá-los dignamente após sua conclusão.

Tiago Lobão / Revista UP! - E além dos blogs, você publica seus trabalhos em sites de escritores como o Garganta da Serpente ou o Recanto das Letras? O que você acha desse tipo de site?

Fábio Brazil - Também acho que já respondi de alguma forma.
São sites e iniciativas importantes, a maioria de gente séria, interessada e comprometida com arte. A minha questão se resume à eterna disponibilidade e gratuidade dos sites - os cadáveres insepultos - mofando ali por anos e anos, sem ninguém dar nada por aqueles textos, no máximo a leitura de um amigo na época da postagem. Ficam ali bons textos, empoeirados de pixels, solitários, gratuitos em todos os sentidos, isso me incomoda. Se queremos que a arte da poesia e da literatura de modo geral se torne um bem socio-cultural e uma profissão de fato para os artistas, não podemos ficar trabalhando de graça o tempo todo e servindo gratuitamente nosso produtos a um público incerto e desinteressado. Isso não é divulgação, democratização ou popularização da arte, mas, pode ser o seu fim, um discurso inócuo para ninguém. Não estou apenas discutindo remuneração por trabalho e valor monetário de troca - o que é lícito e aceito em todas as profissões menos a do poeta e a do escritor - estou pensando que se realmente vemos valor e necessidade da arte/poesia em nossa sociedade - eu pelo menos vejo - temos que entender também que nessa mesma sociedade valor e trabalho têm preço.

Os sites mais sérios, como os que você citou, são bons caminhos para uma ou outra publicação no sentido de divulgar seu nome e seu trabalho, muitos já não deixam os textos mofando e se tivessem patrocínios pagariam os autores certamente. Mas, por que pagariam os autores se eles surgem sempre ávidos para publicarem de graça? Ao mesmo tempo, quem pagaria para por uma propaganda ali se quem faz o produto a ser vendido, não cobra nada para fazê-lo? Precisamos pensar nessas coisas chatas e antipáticas se queremos ser profissionais da arte - ou vamos ser amadores para sempre.

Tiago Lobão / Revista UP! - Essa explosão de conteúdo online e as maneiras quase infinitas e segmentadas de divulgá-lo tem causado um maior interesse das pessoas em ler, tanto online quanto livros de papel?

Fábio Brazil - Olha, afora o que já falei, e não foi pouco, acho que o saldo é positivo. Muito positivo. Mas temos que ter a consciência de que estamos na pré-história da internet. Sem dúvida há mais pessoas lendo poesia e literatura, temos uma ótima ferramenta de divulgação e a internet é um universo eminentemente textual e a leitura é essencial para o desenvolvimento de qualquer sociedade.

A acrescentar ao que já disse, faltou que acho que nem todo livro pode ou deve ir para o meio digital. Há aqueles que sempre serão melhores em papel, aqueles em que será indiferente seu suporte e os mais interessantes, nesse caso, serão os que já vão nascer para serem lidos no meio digital, isso obrigará os autores a se mexer, a se reinventarem, a remexer nas formas literárias - essa é a revolução que me interessa ver. A passagem do papel para a tela não pode ser inocente, ingênua ou pura transcrição. Seria como filmar o teatro no palco e achar que está fazendo cinema. Novo suporte, renovação na linguagem - essa é a regra. Vem aí o livro virtual de bolso, ótimo, vamos criar para ele, vamos assumir a ponta desse processo, vamos criar obras que só podem existir ali, vamos tomar a frente da criação e explorar essa nova possibilidade para fazer arte. O livro de papel já contou muitas histórias maravilhosas e ainda vai contar muitas outras, sempre terá o seu lugar. - O leitor do e-book vai morrer de saudade quando ficar sem bateria no último capítulo... além de termos que pensar no que implica subir às alturas o preço da leitura de algumas obras e o abismo socio-cultural que isso pode causar - mas é também um campo novo para o artista, vamos explorá-lo com a nossa arte, com a nossa criação. O Bola da Vez quer estar lá, será também um site-book.

Tiago Lobão / Revista UP! - Você ainda acha o livro de papel um elemento essencial na carreira de um escritor, ou já é possível ser um escritor 100% online?

Fábio Brazil - Se estamos falando de escritor como profissão ainda não conheço nenhum que viva de seu trabalho e seja 100% online. Aliás, vale lembrar que mesmo no papel a Literatura brasileira vive a vergonha de sustentar no máximo 10 autores e jamais ter sustentado um poeta. Se estamos chamando de escritor simplesmente nos referindo ao fato de alguém escrever com intenção literária e postar num site ou num blog, acredito que existam muitos 100% online.

Publicar em papel é sempre um investimento maior em todos os sentidos, você pesa e pondera muito mais a respeito do que está publicando, você simplesmente não pode mais tirar do ar. Publicar em papel é uma coisa irreversível e posta a público, não tem como voltar atrás. O papel ainda é mais respeitado em qualquer dos meios sérios que tratem de literatura, talvez justamente por essas questões que coloquei e porque ainda é difícil chegar a ele, é um passo e um investimento que precisa ser sopesado, não basta um PC e um acesso à internet.
Quando a internet oferecer possibilidades reais de alguém criar literatura online e viver realmente disso acredito que será levada mais a sério. Nos EUA os artigos universitários já são cobrados para download enquanto aqui ainda fazemos nossas graduações universitárias na base do xerox da esquina. O xerox mata o autor acadêmico brasileiro. Quem está se beneficiando com isso? O dono da xerox e só.

Os autores morrem a míngua. Se fosse cobrado um valor semelhante a um xerox por cada página de artigo acadêmico baixado da internet seria excelente para os autores e para os alunos que poderiam se corresponder com os responsáveis pelas obras e teriam acesso a textos sempre atualizados revistos e reconectados com outros textos disponíveis, isso acabaria a festa do xerox - que acredito ser a transmissão mais suja de dados com seu destino inexorável para o lixo muitas vezes não reciclado.

Tiago Lobão / Revista UP!- Diga, o que você vê para o futuro dos novos e antigos escritores, e porque não o dos leitores, considerando todas essas maneiras de interação do público com a obra literária.

Fábio Brazil - Sonho com um futuro em que as possibilidades de acesso à leitura de bons textos e de sobrevivência para os autores possam estar caminhando na mesma direção. A internet traz mais leitores e autores, isso é em si um avanço. O que precisamos é tornar esse avanço uma ferramenta de transformação social da arte e da leitura, acho que isso cabe à minha e às próximas gerações de autores e leitores.

Tiago Lobão / Revista UP!- Já tem novas publicações ou idéias na agulha? Quais são seus planos agora que seu livro está pronto?

Fábio Brazil - O Bola da Vez está pronto, mas apenas numa etapa de seu desenvolvimento: virou papel e será lançado em novembro. Mas a internet me permite desdobrar esse projeto em outras etapas e possibilidades, dessa forma, ele ainda não está pronto. Estar pronto, para o meu livro, será quando os leitores assumirem a obra via internet num site, eu serei apenas um moderador de diálogos criativos que podem se multiplicar indefinidamente.
Quanto aos projetos futuros, ainda há aquela pasta de poemas na HD.