quinta-feira, 24 de setembro de 2009

Fogazza com Cachaça


Fogazza
com cachaça

São Paulo tem saudade da cidade que não foi!
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Assim conclui uma conversa com Marcos Moraes andando pelo Centro Antigo – o Centrão, aquele que minha mãe chamava de Cidade. Andávamos e fomos percebendo os indícios dessa saudade diante da obviedade do que somos e do que não somos.
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Numa loja de lingeries, uma foto da Barão de Itapetininga dos anos 30. Num boteco, uma placa canhestra tentando ser art-nouveau. Um camelô vendendo fotos antigas enquadradas. Uma padaria ostentando na parede uma coleção de fotos sobre a construção do Copan. Na vitrine de um sebo, três livros de fotos de São Paulo antigo atraindo olhares.
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Era uma farta exposição do que fomos, denúncia do que não somos e flerte voyerismo com o que gostaríamos de ser. Na Barão de Itapetininga, rua das ruas para os modernistas nos despedimos. Sei que a conversa ficou ecoando no Marquinhos como ficou em mim. Ele, justo o paulistano mais esquivo e ocasional que eu conheço, mas que é sempre um paulistano em Londres, Montevidéu, Paris, Fortaleza, Manaus, Avaré, Porto Alegre ou Rio de Janeiro (que tenta inutilmente roubar sua alma), teve esse conversa comigo.
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Eu sou daqueles paulistanos que acho todas as cidades que conheço mais bonitas e melhores que São Paulo até o terceiro dia. Depois dá uma vontade de comer uma pizza decente, em pé, numa padoca, que seja, apenas isso, mas não há. Aliás, no terceiro dia, dá uma vontade de encontrar uma padaria, nada especial, uma padariazinha bacana, onde tomar um café expresso de verdade e comer um queijo quente – que mistério para o resto do mundo fazer um café e esquentar um queijo na chapa e por num pão francês! – ah, o pão francês fresquinho de São Paulo, outro mistério insanável para a raça humana não-paulistana,
em Salvador chegaram a me oferecer um “cacetinho” em seu lugar,
apavorei-me.
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Fora daqui, sinto falta da ninguendade de São Paulo. No terceiro dia já conheço de vista umas dez pessoas e as reencontro nos mesmo lugares – praia, praça, bares, ruas, noite - e nós, elas e eu, já nos tornamos alguém uns para os outros – isso enlouquece um verdadeiro paulistano! Nos deprime - mais que fazer as malas para sair daqui. A redundância climática das outras cidades torna as nossas malas um deserto de sensações absoluto: fará calor, ou frio, ou morno, ou nada, mas fará sempre e por semanas inteiras e intermináveis. Na Europa é preciso trocar de país para trocar de clima – transporte, passaporte, fronteira e outra língua – apenas para poder sentir frio e calor num mesmo dia.
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“Mesmo dia”, isso não existe em São Paulo. Se você foi ao Museu do Ipiranga esqueça a Pinacoteca. Se você foi á Galeria do Rock esqueça o Ibirapuera. Se você foi ao MASP esqueça o Jardim Botânico. Se você foi ao Mercado Municipal esqueça a Casa das Rosas e a Paulista, Se você foi a um Shopping Center esqueça que isso não é São Paulo. Ao mesmo tempo, se nada é no mesmo dia, há de tudo 24h. Como se vive nessas cidades que terminam à uma da manhã? Não sei, tenho extrema dificuldade de passar do terceiro dia.
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O retorno de muitos dos leitores da degustação do BOLA DA VEZ e as conversas que se alongaram por e-mails depois, trazia um pouco dessa “saudade da cidade que não fomos” sobre a qual conversei com o Marquinhos. Amigos procurando Deolindas sob os viadutos, descendo a Augusta com Faustino, andando em Higienópolis com Deoclécio, indo aos prédios de vidro da Paulista com João e Givair, enfrentando o trânsito com Lívia, vivendo o Bixiga antigo com Divanilde ou indo ao Carbono e ao Personinha com Faustino.
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Os contos, não por algum mérito ou intenção especial, despertaram nos amigos a sensação do que fomos e somos como cidade. Como se por um encanto a cidade sem começo nem fim pudesse ser narrada ou vista. Como se houvesse flaneur possível para São Paulo, não há. São Paulo não permite isso. O flaneur de Baudelaire é aquele que vagando pela cidade constrói uma narrativa a partir do contato com a urbe, é o que pode narrar a cidade vista pela rua, a partir da rua e para a rua, é aquele que transita e costura os signos urbanos e nos oferece a narrativa das mensagens da urbanidade. O flaneur circunscreve a cidade e a torna possível e passível de narração.
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Nenhum círculo narrativo pode conter São Paulo. Ela é maior, ela escapa, ela se inventa, se constrói e desaba antes da apreensão dos signos. Ninguém a conhece a ponto de ousar narrá-la. Vivemos no universo da narrativa impossível, dos poemas inócuos e das canções efêmeras. Toda tentativa, já nasce velha, passada, incompleta, nasce e se torna um canto de saudade, da cidade que não fomos.
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Dois lugares para se conhecer na internet, mas não no mesmo dia:
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Um site sensacional sobre os bairros de São Paulo e suas histórias contadas por pessoas que viveram nesses lugares. São textos encharcados de saudade. Divirta-se bastante com as postagens e os comentários. Quando entreguei o Projeto Bola da Vez à Secretaria da Cultura, previ a criação de um blog para essa finalidade – contarmos histórias de bairros, do Bixiga especialmnente – quando conheci esse site, vi que seria diluição e pulverização de uma boa idéia, convido-os a participar desse que já existe e não precisa de similares.
http://www.saopaulominhacidade.com.br/
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Saudade não pode ser confundida com esquecimento ou abandono.
É o seu contrário. Site de fotos sobre o abandono do patrimônio histórico urbano de São Paulo. Fotos dos edifícios que estão despencando, sem nenhum cuidado e que são partes da nossa história - capítulos, da narrativa de uma cidade que soma capítulos novos todo dia sem construir sua narrativa.
http://saopauloabandonada.com.br/