quinta-feira, 17 de setembro de 2009

Polícia de pelúcia

Muitos de nós já ouvimos dizer que na China, a família do executado arca – arcava ou arcaria - com os custos das balas usadas no fuzilamento.

Não sei a origem nem a veracidade dessa história. Mas seja ela uma lenda ou não, é certamente um convite para pensarmos a respeito do papel do Estado em relação à coerção, repressão, punição e respeito às Leis.

Escolhermos um tipo de Estado significa escolhermos um tipo de Lei e também as formas de fazer com que sejam cumpridas e as punições aos desvios. Significa também pensarmos em quem e como isso será feito. Enfim, significa termos que escolher o tipo de Polícia que queremos na sociedade que desejamos.

Ao me envolver com o universo policial para escrever o Bola da Vez, isso ficou mais claro para mim. Como também ficou claro o quanto não queremos nos envolver com isso. Como queremos que o marginal e seu mundo – incluindo a Polícia - estejam realmente à margem do nosso. Ocorre que não há dois mundos, duas sociedades, dois Brasis, só há um e é nesse que estamos e vivemos – e ainda herdamos a obrigação de transformá-lo no que queremos.

Repetir que a Polícia é um caso de Polícia e que não estamos em “estado de”, mas que o Estado é a “calamidade pública”, não basta. Seja lá para onde formos, por meio das urnas, das armas ou dos vôos teóricos e artísticos, a Polícia vai junto. Gostemos ou não.

Aliás, não gostamos. Pessoas que pensam coisas como “papel do Estado”, “transformação social” e “vôos teóricos e artísticos” viveram ou herdaram profundo, justificado e merecido rancor em relação à Polícia dos tempos da ditadura.

Vale dizer que na Polícia e na Política a ditadura não acabou. Claro que terminou a sucessão de Generais no poder, mas ainda vivemos desdobramentos da estupidez que foi colocar o poder nas mãos deles. Os políticos ainda são os mesmos representando os mesmos grupos com as mesmas idéias e baseando suas propostas, histórias e apelos ao voto segundo a sua posição relativa aos governos militares. A Polícia não é diferente. Nós não gostamos da Polícia pelo que ela foi. A Polícia não sabe ser diferente do que aprendeu a ser.

O enrosco vem junto com a contraparte da Polícia, o bandido. Nós também não sabemos o que fazer com eles. Defender a Lei que existe é defender o Estado com o qual não concordamos. Defender a marginalidade – onde muitos estiveram, segundo a Lei, durante a ditadura – é tolice, diante da realidade criminal do país. A solução seria mexer no Estado e nas Leis por meio da Política – releia o parágrafo anterior e vamos ao próximo.

Do artista poeta-maldito marginal ao maldito marginal sem poesia, do Baile Funk da perifa ao Baile Fuck-you de Brasília, do baseado recreativo social ao malandro arquétipo cultural, do flanelinha ao flagelado, da Lei Seca à Lei cega, das leis que não pegam aos que não são pegos pela lei, das liberdades individuais do cidadão à liberdade de indivíduos sem cidadania, nada pode escapar ao nosso pensamento crítico para fazermos nossas escolhas, seja nas urnas ou nas férias.

No livro Bola da Vez, abatido por todas as limitações do autor, tentei ampliar um pouco - para mim na pesquisa e na escrita e para o leitor na obra – o olhar sobre a Polícia e a criminalidade. Descartes imediatos foram os dois pontos extremos de onde se costuma olhar a questão. O policial heróico e inumano e o bandido paranóico e desumano (ou vice-versa, salvo controvérsia). A solução foi devolver a eles suas histórias, suas origens, seus pais, mães, tias, vizinhos, suas vidas afetiva, social, sexual, seus amigos, humores e amaros. A idéia foi emaranhar-me no enrosco e se possível levar os leitores. Bem vindos.

Aqui, dois cartões-postais dessa viagem:

Dois repórteres mergulharam no universo do tráfico de cocaína por meio de “mulas”, pessoas que alugam seus corpos para carregar a droga (engolindo capsulas ou suturando-as sob a pele). Blog com o conjunto de reportagens e entrevistas. Receberam merecidos prêmios pelas reportagens, vale conhecer o trabalho corajoso e brilhante dessa reportagem.
http://www.folhadaregiao.com.br/hotsites/rota_das_mulas/5.php

Blog muito legal mantido por um policial do Rio de Janeiro. É uma outra visão sobre muitos fatos que vemos já mastigados na mídia. Sujeito inteligente, preparado e ponderado. Uma coleção de histórias de arrepiar, os comentários dos leitores do blog também são bem interessantes. É uma oportunidade de conhecer a Polícia por dentro, mas fora das grades.
http://www.casodepolicia.com/2008/07/08/o-ponto-de-vista-de-um-despreparado/