A Fonte das fontes
Não é justo, mas também não é raro alguém “julgar um livro pela capa”. Mas se em linha reta com esse lugar-comum emendarmos o outro:
"a primeira impressão é que fica", teremos então um paradoxo.
Não devemos fazer o que estamos condenados a fazer.
Julgamos livros pela capa. Ficamos com as primeiras impressões e todos já amargamos por dentro o pão bolorento, após o encanto do fora da bela viola.
Deve ser por isso que a escolha da capa de um livro só se compara á dificuldade de escolher as fontes que vão dizer o que o livro diz.
Se arredonda, inocenta; se serifa, endurece; se curva, juveniliza; se arreta, tecniciza; se encolhe, cega; se alarga, adolescenta; se encorpa, grita; se emagrece, some – fontes são um inferno!
Como achar aquela que diz na forma o que queremos dizer no conteúdo? - pior se o editor nos coloca à disposição 5 mil tipos! Sim, há umas 4980 descartadas logo de primeira, mas e as restantes? Continuam, cada uma delas, dizendo coisas diferentes ao mesmo tempo que dizem o que se escreveu na obra. A forma da fonte diz algo além do sentido da palavra.
O primeiro autor a enfrentar essa questão e fazer uso estrutural, sistemático e intencional da escolha das fontes como fonte de significação no texto parece ter sido Stéphane Mallarmé - poeta francês do final do século XIX.
Em 1897 Mallarmé lançou Un coup de dés jamais n'abolira le hasard ( Um lance de dados jamais abolirá o acaso ) e com esse poema inaugurou a época da visualidade dos textos. A partir de Mallarmé, fica impossível ignorar a espacialização do texto, os cortes de linha, os brancos da página, a gramática espacial e as fontes.
Depois do Lance de Dados – como o poema é chamado - do autor do folhetim mais longínquo no tempo e no espaço, ao editor do site mais atualizado da internet, passamos todos a dever alguma coisa a Mallarmé.
O Lance de Dados antecipa na forma toda a diagramação das mídias impressas atuais. E em termos de forma textual, a internet é a civilização avançada que floresceu no continente que Mallarmé descobriu.
Todos bebem na fonte de Mallarmé, inclusive a Poesia Concreta que bebeu sem nunca esconder essa fonte e também nos legou uma primorosa tradução do poema (respeitando as fontes, claro) - o poema que abre essa postagem é minha singela homenagem aos Concretos e suas fontes.
Escolhida as fontes do livro, vamos à capa.
Tem que atrair, causar curiosidade, ser diferente, antecipar o conteúdo – sem revelar ou ilustrá-lo – e principalmente ser bonita! – explicou-me o editor. Após essa conversa com o ele, entendi que com os mesmos critérios foi bem mais fácil escolher a Isabel.
O projeto da capa surgiu de uma foto que fiz num dos meus longos passeios fotográficos pelo Bixiga. Fiz a foto, gostei e pedi a um amigo para refazê-la como se deve: com tripé, equipamento profissional, mãos e olhos habilidosos.
O resultado é esse que está aí embaixo.
É sobre essa foto que julgamentos e primeiras impressões serão depositados.
Obrigado Eric pela foto e boa sorte ao Bola!