Quando Tudo Muda
Garcia Lorca falava da “vaidade de se ver em letras pretas”, referindo-se às publicações em livro. Hoje, publicar é bem mais fácil que no início do século passado e “se ver em letras pretas” pode depender apenas de um computador e de uma impressora. De toda forma, publicar não deixa de ter a sua dose de vaidade.
Dose pequena comparada à ansiedade, apreensão, preocupação e susto.
Sim amigos, para mim foi um susto receber o que havia escrito em forma de livro.
Entreguei um tão inocente documento Word, Times New Roman, corpo 12, parágrafo duplo, margens 3x3 e 2x2, cinco páginas cada conto, enfim, algo tão natural e corriqueiro e recebo da editora uma outra coisa de volta para ler. Reconheço as palavras, os parágrafos, mas é meu?
Sensação de estranhamento e perda. Já vinha de um certo luto por não ter que escrever diariamente sobre Faustino, Deolinda, Sônia e Deoclécio, despedi-me deles mergulhando numa ressaca de dois dias na sarjeta. Quando os reencontro estão assim: em letras pretas!
Letras do outro, em outro formato, outro tamanho, outros brancos entre os traços, letras e linhas. Não é o autor, é o editor faz o livro – sei que a conclusão é besta – mas é esta a que tenho depois de dois dias olhando o calhamaço sem conseguir ler. Como se não houvesse mais intimidade entre mim e o Givair, o João e o cortiço da Dª Diva.
O texto ganhou uma nova e definitiva vida. Ganhou uma roupa que não sou capaz de fazer, com a qual vou me acostumando lentamente. São delicadas as mãos que cuidaram dele. A roupa é bonita, agora tem estampas, como a que abre esse texto.
Meus cortes, meus silêncios, meus brancos, meus finais de linha, de página são todos outros. São agora, graças ao editor, dos outros – como nasceram para ser.